07/06 é o Dia Nacional da Conscientização da Síndrome de Tourette.💚
- Fernanda Costa
- 4 de jun.
- 6 min de leitura

A Síndrome de Tourette é um transtorno neurológico caracterizado por tiques motores e vocais — movimentos e sons involuntários que a pessoa não consegue controlar. Esses tiques podem variar muito em intensidade e frequência, e não definem toda a pessoa que vive com essa condição.
Além dos tiques, pessoas com Tourette frequentemente enfrentam preconceito, olhares atravessados, julgamentos disfarçados de “faz silêncio, por favor”, imitações maldosas, desconhecimento e piadas cruéis — que machucam muito mais do que qualquer tique. Além disso, é comum que convivam com outras condições associadas, como Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), que também trazem desafios diários e aumentam a complexidade do diagnóstico e do tratamento.
Ninguém escolhe ter Tourette. Ninguém “faz porque quer”. Não é falta de educação, frescura ou falta de limite. É neurodivergência. Funcionamento diferente do cérebro.
Por isso, é tão importante falar sobre isso. No dia 7 de junho, comemoramos o Dia Mundial de Conscientização sobre a Síndrome de Tourette — uma oportunidade para espalhar informação correta, empatia e respeito. Quem vive com Tourette precisa de acolhimento, informação, empatia e ambientes preparados para a diversidade, não de julgamento.
A Síndrome de Tourette atinge cerca de 1% da população mundial. Embora seja considerada rara, são diagnosticados cerca de 150 mil casos por ano no Brasil, segundo dados do Hospital Albert Einstein. Desses, aproximadamente 85% convivem com outras condições neurológicas associadas, como Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) — presente em 63% dos casos — e Transtorno do Espectro Autista.
Não sei se vocês sabem, mas por aqui levantamos essa bandeira não só porque é uma causa importante, mas porque vivemos no nosso dia a dia esse diagnóstico. Hoje, gostaríamos de abrir este espaço para o Diego, que vive com Tourette, compartilhar seus desafios, aprendizados e o que gostaria que mais pessoas soubessem. Segue:
"Minha história com a Tourette começou há muitos anos, sem que eu soubesse o que era. Quando eu era adolescente, na verdade, nos primeiros anos da pré-adolescência, já apresentava muitos tiques involuntários e manias.
Essas manias não pareciam ter um motivo claro para aparecer, como ansiedade, estresse, nervosismo ou qualquer outro fator emocional evidente. Mas, como muitas pessoas têm algum tipo de "mania", os meus comportamentos sempre foram interpretados como algo comum, com comentários do tipo: "Ah, o filho de um amigo também faz isso", ou "Quando eu era pequeno, também tinha umas manias assim".
Com isso, fui crescendo achando que o que eu tinha era algo natural e passageiro. Ao longo dos anos, comecei a me sentir envergonhado, pois em todos os círculos sociais por onde passava, sempre havia alguém comentando ou chamando atenção por causa dos tiques.
Lembro que, quando jogava futebol por volta dos 14 anos, um dos meus tiques acabou virando uma espécie de "comemoração de gol". Até achava engraçado, se não viessem junto as imitações e as brincadeiras de mau gosto. Acho que aprendi desde cedo a rir junto, como uma forma de mascarar o quanto aquilo me magoava.
Passei muitos anos, e quando digo “muitos”, quero dizer quase 30 anos, até finalmente ir atrás de um diagnóstico para entender o que, de fato, eu tinha.
Lembro de estar assistindo a um podcast em que o entrevistado tinha Tourette, e aquilo me chamou muito a atenção. Eu só não entendia o porquê. Na ocasião, o entrevistado apresentava tiques muito característicos, e até mesmo caricatos, daquilo que se costuma associar à síndrome de Tourette: ele gritava, xingava, falava palavrões.
E aquilo me impactou de uma forma estranha, como se eu estivesse me reconhecendo no que via. E eu estava. Apesar de os meus tiques não serem desse tipo mais explícito, eu também apresentava mais de sete tiques motores (ou “físicos”) e, pelo menos, uns dois tiques vocais ao mesmo tempo.
Durante o processo diagnóstico, aprendi algo fundamental: para confirmar a Síndrome de Tourette, é necessário que o indivíduo apresente pelo menos dois tiques motores e um vocal, com início antes dos 12 anos, e que esses sintomas persistam por mais de um ano, sem um período de remissão maior que três meses consecutivos. Ou seja, eu me encaixava perfeitamente nos critérios, já que apresentava múltiplos tiques motores (mais de sete) e vocais (pelo menos dois) desde a infância, persistindo por décadas.
Durante as consultas com meu psiquiatra, tirei muitas dúvidas, inclusive a principal, que sempre me acompanhou: "Por que ninguém nunca percebeu antes? Por que ninguém nunca me falou sobre isso?"
E foi aí que entendi que, apesar de a síndrome de Tourette ser uma condição neurológica e neuropsiquiátrica bem definida, ainda existe muito desconhecimento e estigma em torno dela.
Muita gente acha que Tourette é só “gritar palavrões”, como se fosse algo cômico, exagerado ou raro demais para ser levado a sério. Mas a verdade é que isso, o uso involuntário de palavrões, chamado coprolalia, ocorre em menos de 15% dos casos.
No meu caso, os tiques eram mais discretos: revirar os olhos, espasmos no pescoço, nos ombros, emitir sons repetitivos como pigarros ou grunhidos, bater na cabeça. Mas mesmo assim, causavam desconforto físico, vergonha, e interferiam nas minhas interações sociais.
Pelo diagnóstico tardio, me deixei ficar magoado, triste, por como reagiram a mim. Lembro de, já adulto, ser chamado a atenção por estar “fazendo barulho demais”. Ou de ver alguém imitando um dos meus tiques enquanto falava sobre mim. Como eu não tinha diagnóstico, e nem imaginava que pudesse ser algo neurológico, minha reação na época era sempre a mesma: pedir desculpas e me sentir mal por atrapalhar o outro com algo que, hoje eu sei, era completamente incontrolável.
Hoje eu sei o que é. Sei o nome. Sei os critérios.
Mas ainda assim, em algumas situações, me pego sentindo que estou atrapalhando. Ou envergonhando alguém. É uma sensação que a razão tenta acalmar, mas que o emocional demora para aceitar.
Minha parceira e sócia, a Fer, foi a maior responsável por eu ir atrás de entender e aceitar quem eu sou. Desde o começo do nosso relacionamento, ela via meus tiques e simplesmente… não reagia. Ela esperava eu terminar o movimento ou som, me dava tempo, paciência, e então continuava a conversa como se nada tivesse acontecido. Como se tudo estivesse bem, e estava.
Isso me fez desenvolver uma visão muito mais generosa comigo mesmo e com os meus tiques.
A Fer sempre falou: “Tourette não te define. Mas você tem Tourette. Então, eu nunca vou tratar seus tiques como algo a mais, e sim como uma característica sua. E eu amo cada parte de você.”
E isso me fez olhar para tudo de forma mais bonita. Menos envergonhada. Mais amorosa. Sim, parece uma carta de amor, e talvez seja mesmo (risos). Mas vale reforçar: escolher com quem você se relaciona, quem é seu parceiro ou parceira de vida, é algo extremamente importante.
Principalmente quando se vive com uma síndrome em que, antes de lutar pelos seus direitos ou pela sua aceitação no mundo, você precisa aprender a não lutar contra si mesmo.
E é por isso que hoje, mesmo convivendo com os desafios da Tourette, eu também convivo com algo fundamental: Paz.
Queremos que este relato inspire mais empatia e respeito no nosso dia a dia. Porque todo cuidado faz diferença, e acolher é um ato de amor que transforma. 🤎
No Dia Mundial de Conscientização sobre a Síndrome de Tourette, 7 de junho, convidamos você a olhar com mais atenção, a questionar preconceitos e a abrir espaço para a diversidade que nos fortalece. Toda pessoa merece viver com dignidade, e toda diferença merece ser entendida — com carinho, paciência e verdade.
Aqui na Disá, acreditamos que o respeito começa pela informação. Por isso, seguimos firmes em apoiar quem vive essa jornada, espalhando consciência e acolhimento, sempre.
Vamos juntos?
Como sempre, deixamos algumas referências para você conhecer mais sobre o tema:
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